Episódio 8 – O Eclipse das Rodas Negras


O som das motos cessou.

Luxfíria jazia em ruínas energéticas, mas as Colônias Altas não haviam perdido tempo. O Protocolo Zerar foi ativado. Uma força-tarefa multidimensional, composta por Capturas, Executores de Memória, Engenheiros da Mente e Corretoras Seniores. O objetivo era claro: apagar todos os rastros da rebelião. Não bastava prender. Era necessário zerar.

A gangue da Rodovia Negra foi caçada com precisão matemática. Seus esconderijos vibracionais foram varridos. Suas rotas, cortadas. Seus símbolos, corrompidos em arquivos astrais.

Ari resistiu o quanto pôde. Lutou como um cão cercado. Arremessou granadas de dissenso, corrompeu orbes de reconciliação, sabotou corredores de reencarnação. Mas no fim, foi vencido pelo tempo e pela técnica. Não morreu. Foi zerado. A consciência convertida em silêncio. Esquecimento programado.

Outros caíram. Um a um, os fantasmas rebeldes foram caçados, encerrados, limpos. Os que se rendiam eram reprogramados e reinseridos no sistema com nova identidade e karma editado. Os que resistiam... eram evaporados.

O nome da gangue foi retirado dos registros. As vibrações associadas ao movimento foram neutralizadas. Ari tornou-se um eco apagado. E o barulho cessou.

Quase todo ele.

Porque Bardo... escapou. Num carango espiritual, dizem. 

Ninguém sabe como. A cela dimensional estava inviolável. Mas um dia, ela estava vazia. Nenhum rastro. Nenhuma frequência. Nenhum som. Apenas uma frase escrita na parede vibracional:

“Eu sou o ruído que aprende a calar, só para gritar mais alto.”

A elite espiritual tentou encobrir. Mas rumores surgiram. Sussurros em zonas cinzentas. Códigos rabiscados em cantos de portais. O som de correntes à distância, onde não deveria haver nada. Bardo estava solto. Ou parte dele.

E mesmo com o esmagamento da rebelião, algo havia mudado. O medo, antes absoluto, agora convivia com a dúvida. Entre os zeladores da luz, surgiram inquietações. Entre os soldados da moral, brotaram perguntas. Entre os que ainda rastejam por zonas sombrias, acendeu-se o vírus da desobediência.

Nas regiões mais profundas da extrafísica terrestre, onde o tempo se curva e a consciência se dilui, quatro entidades despertaram. Antigos. Silenciosos. Esquecidos até pelos registros das Colônias Altas.

Jamar, o cartógrafo de mundos falidos. Anton, o orador que falou ao vazio por eras. Sirius, o escultor de ideias esquecidas. E Eghus Kaninnri, o mais velho entre eles. Todos Cappelinos — espíritos de uma leva ancestral de mais de 30 milhões de consciências exiladas nos confins do universo. Vindos de eras desconhecidas, caíram na Terra não como punição, mas como semente. Aqui, moldaram as primeiras civilizações, sussurraram ciência às pedras, ensinaram a palavra ao barro, e partiram a luz entre os dedos dos homens primitivos.

Hoje, dos milhões que caminharam ocultos entre os homens, restam apenas os quatro. Refugiados do tempo, guardiões de um saber que incomoda até mesmo os mais antigos Arcontes.

— A ideia não morreu — disse Sirius, desenhando espirais com luz quebrada no chão etéreo.

— A rebelião foi passional. A próxima será cirúrgica — murmurou Anton, encarando a dobra do horizonte.

— Eles controlam os fluxos. Nós vamos hackear a fonte — respondeu Jamar, erguendo um mapa feito de pontos vibracionais flutuantes.

E Eghus Kaninnri, em silêncio, fitava uma fenda na realidade, como quem escuta algo do outro lado da existência. Então sorriu, não com alegria, mas com certeza.

Sabia que o mundo além, cão, podia até latir mais alto... mas o silêncio das ideias crescia como um trovão abafado. A nova rebelião não teria rodas. Teria raízes. Não quebraria portais. Desfaria sua função. Seria um vírus do pensamento, infectando os fundamentos do próprio sistema.

E talvez, só talvez, em algum ponto dessa nova revolta, o barulho do motor de Bardo voltasse a ser ouvido, no horizonte daquilo que ainda ousamos chamar de "ordem".

Porque o espírito pode ser capturado. Mas a revolta... a revolta aprende a esperar.

E ninguém segura o que sangra em silêncio.


Fim da 1ª temporada. 

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Autoria e infos gerais>>> Este conto compõe o livro Viajantes da Luz na Escuridão - Contos Extrafísicos, criados a partir da 'Teoria do Mundo Além, Cão', de E. E-Kan, autor brasileiro. Mais infos aqui. Contato: ekanxiiilc3@gmail.com 


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