Episódio 7 – A Invasão de Luxfíria
Enquanto Bardo apodrecia numa cela dimensional, sua consciência vibrando num silêncio opressor de campo branco, Ari tomava as rédeas da insurreição. Mas não o fazia por honra, redenção ou liderança. Ari era o niilista supremo, movido por um único princípio: se tudo é vazio, que ao menos o vazio seja nosso. E com isso, a gangue seguiu, batizando suas máquinas com os nomes dos que se perderam no caminho, tatuando com brasas seus ideais nas carcaças do entremundos.
Luxfíria era o alvo. A mais próspera colônia espiritual da região. Um paraíso artificial. Torres de cristal, cursos vibracionais de alto nível, terapias com sons cósmicos, banhos de luz filtrada e um sistema de segurança quase perfeito. Quase. Porque todo sistema tem brechas. E Ari conhecia um traidor.
Hismael era um Corretor do Destino. Terno preto, mente organizada, alma vendida. Estava cansado da burocracia astral. Dos relatórios, da neutralidade, das mentiras. Começou a vazar rotas, mapas de vibração, códigos de acesso, armas mentais. E mais do que isso, entregou o segredo: Luxfíria mantinha sua proteção através de um núcleo de contenção vibracional alimentado por almas adormecidas — sim, espíritos em coma, literalmente plugados como baterias conscientes. Um escândalo espiritual. Um crime cósmico.
— Eles sugam os que não conseguem se defender. Essa luz toda é movida a sombra — disse Hismael, entregando um cristal de dados.
— E depois chamam a gente de trevas. Que piada — respondeu Ari, cuspindo sobre o símbolo da Ordem.
O plano era simples. Invasão. Libertação. Ruptura. No dia exato da convergência das órbitas astrais — quando as defesas de Luxfíria baixavam para manutenção energética — a gangue atravessou as fendas como um relâmpago de ruído.
As motos surgiram no céu cintilante. Trovões de memórias comprimidas. Correntes rugindo como demônios livres. Luzes piscando em dissonância. Mantras cortados por risos de deboche.
— Tá na hora do spa de vocês virar sauna de alma! — gritava um dos motoqueiros, arremessando uma bomba de dispersão vibracional.
Os portões caíram. As torres racharam. Ari, com sua jaqueta feita de promessas não cumpridas, liderava o pelotão.
— Libertem os plugados! Arrebentem os filtros de luz! E tragam os livros deles! Quero ver o que esses iluminados escondem! — vociferava, sorrindo como quem não tem mais nada a perder.
A batalha foi intensa. Guias avançados tentaram resistir, mas não estavam preparados pra caos armado. Tinham doutrina, não fúria. Tinham ordem, não urgência. Em menos de duas horas, o núcleo de contenção vibracional foi rompido. As almas adormecidas acordaram em pânico, gritando, desorientadas. E algumas... começaram a lutar ao lado dos invasores.
Luxfíria caiu. Ao menos naquele dia.
A gangue recolheu cristais, códigos, armas, livros. E deixou uma mensagem projetada no céu:
"A luz é um luxo roubado de quem nunca teve a chance de brilhar."
Fugiram antes da retaliação. A vitória foi celebrada com roncos de motor sobre o abismo, com rituais improvisados em ruínas energéticas. Ari, porém, estava calado. Sabia que isso era só o começo. A elite ia reagir.
E reagiu.
Reuniões secretas foram convocadas nas Colônias Altas. Não em templos, mas em salas ocultas. Espíritos antigos, de aura dourada e feições eternamente serenas, apertavam mãos com os mais experientes Corretores e Comandantes dos Capturas.
— Não podemos permitir que o caos vença. Está se espalhando. As colônias do norte já relataram surtos de questionamento. Espíritos meditando em círculos... interrompidos por frases niilistas, por duplas de motoqueiros que zombam dos protocolos. Isso é um câncer vibracional.
— É mais que isso — disse uma anciã de olhos brancos. — É uma ruptura ideológica. Eles estão construindo um novo mito. Se deixarmos, a rebelião se tornará religião.
— Precisamos exterminar a semente. Eliminar os líderes. Infiltrar os grupos. Cortar os fluxos de energia desviada. Manipular o canal da memória. E restaurar a Ordem. Com todo o poder que for necessário.
Um novo projeto foi iniciado. O Protocolo Zerar. Um plano para caçar, apagar e reescrever os registros de todos os envolvidos com a rebelião. Literalmente resetar almas. Morte da memória. Morte do espírito. Morte da revolta.
Mas enquanto isso era sussurrado nos salões de mármore, nas zonas baixas do entremundos, um velho espectro arrumava sua moto.
— A guerra começou — murmurou Bardo, sorrindo na cela vibracional, ao sentir no ar a oscilação da queda de Luxfíria. — Quebrem tudo, filhos da sombra.
Porque o que vem a seguir não é só rebelião. É vingança. É revolução espiritual. E o barulho está só começando.
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Autoria e infos gerais>>> Este conto compõe o livro Viajantes da Luz na Escuridão - Contos Extrafísicos, criados a partir da 'Teoria do Mundo Além, Cão', de E. E-Kan, autor brasileiro. Mais infos aqui. Contato: ekanxiiilc3@gmail.com

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